MODALIDADES DE PRISÃO NO BRASIL. PECULIARIDADES.
A lei penal brasileira prevê sete tipos de prisão: temporária, preventiva, em flagrante, para execução de pena, preventiva para fins de extradição, domiciliar e civil do inadimplente de pensão alimentícia. Atente para as diferenças:
PRISÃO EM FLAGRANTE: A prisão em flagrante delito é uma das espécies de prisões processuais. Ou seja, uma das medidas assecuratórias do processo. Contudo, é preciso, antes, observar as configurações do flagrante delito, como exposto no Código de Processo Penal. Tem uma peculiaridade pouco conhecida: a possibilidade de poder ser efetivada por “qualquer do povo” que presenciar um ato criminoso. As autoridades policiais têm o dever de prender se o suspeito estiver “flagrante delito”. É a regra do art. 301 do CPP, verbis:
”Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.”
Nas palavras de Guilherme Nucci [Manual de processo penal e execução penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016], essa faculdade implica na existência de duas espécies de prisão em flagrante:
- a) flagrante facultativo, quando qualquer pessoa comum realize a prisão, em exercício de cidadania;
- b) flagrante obrigatório, quando é imposto o dever à autoridade competente e aos seus agentes, no estrito cumprimento de dever legal (art. 23, III, CP), para o que devem cumprir com a ordem em até 24 horas, se possível.
O art. 302 do CPP, dispõe as hipóteses da prisão em flagrante delito. Ou seja, expõe em quais situações é aplicável a medida do art. 301 do CPP. Dessa maneira, incorre em flagrante delito quem:
- é flagrado cometendo a infração penal;
- acaba de cometê-la, isto é, instantes após o ato, mas não necessariamente em fuga;
- é perseguido após situação que faça presumir ser o autor da infração, como em caso de tentativa de fuga;
- é encontrado, logo após a infração, com elementos que indiquem ser sua a autoria do fato.
Já o art. 303 do CCP, trata da do caso de flagrante nas hipóteses de crime permanente. Entende-se por infração permanente aquela que acontece ininterruptamente. Desse modo, estará sujeito à prisão em flagrante delito aquele que cometer o ato durante o período de permanência da infração. Ou seja, cessada a infração, entende-se já não se falar de flagrante delito, exceto nos casos dos incisos II, III e IV do art. 302 do CPP.
Observação importante é o que dispõe o art.305 do CPP, Caso não haja, contudo, escrivão desimpedido, qualquer pessoa designada pela autoridade lavrará o auto, depois de prestado o compromisso legal.
Já o art. 310 do CPP, trata da audiência de custódia, prazo da prisão de 24h para a comunicação da prisão. Na audiência custódio, fundamentadamente, o Juiz relaxa a prisão quando ilegal, converte a prisão em flagrante em preventiva (se preencher os requisitos do art. 312 do CPP) ou concede liberdade provisória. Observação importante é se a audiência de custódia não for realizada nas 24h da prisão, sem motivação idônea, a prisão será ilegal e deverá ser relaxada. No entanto, o Juiz pode decretar a prisão preventiva do acusado se e somente se preencher os requisitos do art. 312 do CPP. Vejamos:
“Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I – relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
- 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
- 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
- 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
- 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) (Vide ADI 6.298) (Vide ADI 6.300) (Vide ADI 6.305)”
PRISÃO TEMPORÁRIA: A Prisão Temporária, no Brasil, vem regulamentada pela Lei nº 7.960, 21 de dezembro de 1989. Observe que essa é uma modalidade de prisão cautelar que não se encontra no CPP, sendo uma espécie bem peculiar de prisão cautelar, porque possui prazo certo e somente pode ocorrer DURANTE A INVESTIGAÇÃO POLICIAL. Portanto, após o recebimento da denúncia ou queixa, não poderá ser decretada nem mantida.
Observe que, a prisão temporária somente poderá ser decretada nas restritas hipóteses do art. 1° da Lei 7.960/89, a saber:
“I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
- a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
- b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
- c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
- d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
- e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
- f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
- g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); (o art. 214 do CP foi (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
- h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); (Vide Decreto-Lei nº 2.848, de 1940)
- i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
- j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
- l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
- m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
- n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);
- o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).
- p) crimes previstos na Lei de Terrorismo. (Incluído pela Lei nº 13.260, de 2016).”
Atenção! Atente ao fato de que a prisão temporária só é cabível para os crimes expressamente previstos no art. 1º, III da Lei 7.960/89, bem como para os crimes hediondos ou equiparados (estejam, ou não, no rol do art. 1º, III da Lei 7.960/89.
PRISÃO PREVENTIVA: Já a Prisão preventiva pode ser decretada tanto durante as investigações, quanto no decorrer da Ação Penal. Nos dois casos, devem estar preenchidos os requisitos legais para sua decretação. O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que podem fundamentar a prisão preventiva, sendo eles: a) garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes); b) conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas); c) assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).
Além disso, a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
Também, a decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
PRISÃO PREVENTIVA PARA FINS DE EXTRADIÇÃO: A extradição é tema afeto ao Direito Internacional Público. A nova Lei de Migração, trouxe garantias que deverá influir em possível revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto à finalidade da prisão nos processos de extradição.
“A afirmação recorrente de que a prisão para fins de extradição é condição de procedibilidade do processo de extradição (Ext 1528 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/05/2020, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-142 DIVULG 08-06-2020 PUBLIC 09-06-2020), fere aquilo que se buscou edificar com a nova Lei de Migração e consequente revogação do Estatuto do Estrangeiro. Faz-se necessário quebrar o antigo paradigma que encarava a imigração como questão de segurança nacional, e passar a compreender a visão garantista internacional sobre o ser humano, voltada à inclusão do estrangeiro como ser dotado de dignidade e direitos (MAZZUOLI, 2020).” (In artigo publicado na https://canalcienciascriminais.com.br/a-funcao-da-prisao-na-extradicao/)
A Lei de Migração foi expressa em tratar a prisão como medida cautelar que exige fundamentação, ao ponto que a lei nunca tratou com obrigatoriedade a manutenção prisional para o julgamento do pedido de extradição:
“Art. 84 […] §6º: A prisão cautelar poderá ser prorrogada até o julgamento final da autoridade judiciária competente quanto à legalidade do pedido de extradição.” (g.n)
Portanto, a prisão, enquanto função cautelar, ainda se faz necessária para casos concretos, e não como medida universal automática frente processos extradicionais.
Portanto, adotamos o posicionamento de que “a prisão cautelar sempre deverá atender aos requisitos que tal medida impõe (e não bases regimentais do STF anteriores a Lei de Migração), tendo por limites direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, inclusive com a análise prévia de aplicação de medidas diversas da prisão que possam ser mais favoráveis.”
Adotamos ainda, a posição de que “O Supremo Tribunal Federal precisa revisitar, e com urgência, o seu Regimento Interno, o qual prevê no art. 208 que não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do Tribunal.”
PRISÃO PARA EXECUÇÃO DE PENA: É aplicada para os condenados por algum crime, com decisão transitada em julgado. Esse entendimento foi firmado, pelo STF, no julgamento das ADCs 43, 44 e 54, nas quais a Suprema Corte, em modificação de tese fixada em 2016, passou a considerar que deve prevalecer a presunção de inocência até o trânsito em julgado da ação penal, nos termos do artigo 283 do Código de Processo Penal e do artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Esta modalidade de prisão é regulamentada pela Lei de Execuções Penais (7.210/1984), que possibilita o sistema de progressão do regime e trata dos direitos e deveres dos presos e das faltas disciplinares.
PRISÃO DOMICLIAR: A prisão domiciliar possui regras expostas no Código de Processo Penal (CPP) e na Lei de Execução Penal (LEP), assim como também são regulamentados pelas mesmas leis os regimes de cumprimento de pena em regime fechado, aberto ou semiaberto.
O conceito da prisão domiciliar é extraído do art. 317 do CPP, destacado abaixo:
“Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.”
A Prisão domiciliar pode ser aplicada ao indiciado na fase do inquérito policial (investigação) e também ao acusado na fase da ação penal (processo criminal).
Como o indiciado não pode sair de casa sem a autorização judicial, por haver restrição da liberdade de forma técnica, é considerada prisão, no caso, a casa do indiciado.
Ninguém começa a cumprir pena em regime domiciliar. O que ocorre é a substituição da pena preventiva para domiciliar, ou um condenado ao cumprimento de pena em regime aberto, também de forma substitutiva.
O artigo 318 do CPP trata do assunto e elenca algumas possibilidades que autorizam o magistrado a prover essa substituição,
- a) Indivíduo com idade superior a 80 anos, ou seja, ao Idoso que já completou 80 anos e 1 dia
- b) Indivíduo com em estado de saúde debilitada por motivo de doença grave. As decisões do Poder Judicial têm exigido a com comprovação médica e que seja uma doença que não haja a possibilidade de tratamento no sistema penitenciário.
- c) Indivíduo que seja imprescindível para os cuidados especiais de criança menor de 6 (seis) anos de idade. Sendo que este benefício pode se estender ao pai ou a mãe e a terceiros, no AgRg no HC 169.406 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que “a circunstância de a mãe ostentar a condição de reincidente, por si só, não constitui impedimento para o deferimento da prisão domiciliar”, pois presume-se a imprescindibilidade da mãe para com os cuidados dos filhos.
- d) Indivíduo que seja imprescindível para os cuidados especiais de pessoa com deficiência. Sendo que este benefício pode se estender ao pai ou a mãe e a terceiros.
- e) Gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo está de alto risco. Este benefício foi incluído pela Lei 13257/2016 e se estende, inclusive, as mulheres que engravidarem durante o cumprimento da pena.
No entanto, foram dos casos legais, o STJ decidiu que em havendo falta de vagas em estabelecimento penitenciárias que não seja adequado para o cumprimento do regime previsto na sentença condenatória, não se deve colocar o condenado em condições mais severas, devendo ser autorizado, em caráter excepcional, o regime prisional mais benéfico. Significa dizer que, se um indivíduo estiver submetido a cumprir um regime de pena semiaberto, caso não seja possível a penitenciária oferecer condições para tanto, poderá o Juiz conceder a prisão domiciliar.
Surgindo vaga para que o condenado cumpra a pena imposta, a prisão domiciliar cessará e o condenado seguirá para o estabelecimento prisional.
PRISÃO CIVIL DO INADIMPLENTE DE PENSÃO ALIMENTÍCIA: É a única modalidade de prisão civil admitida na Justiça brasileira. O objetivo dessa prisão é garantir que o devedor de pensão alimentícia cumpra sua obrigação de prestar alimentos ao seu filho. Em alguns casos, ela pode ser aplicada ao filho que não garante a subsistência de pais necessitados.
No entanto, a Prisão civil não abrange devedor de alimentos de caráter indenizatório decorrentes de ato ilícito. É o que, recentemente entendeu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao conceder habeas corpus para revogar a prisão civil de um devedor de alimentos, em caso no qual a obrigação alimentar – de caráter indenizatório – foi imposta em decorrência de ato ilícito.
PRESIDENTE DA REPÚBLICA E PRISÃO: Por fim, em se tratando de prisão, art. 86, § 3º, da Constituição Federal, excepciona essas regras e somente admite a prisão do Presidente da República, nas infrações comuns, somente após sentença penal condenatória. Ou seja, não poderá ser preso em flagrante, por crime comum. Não se admite prisões em flagrante, preventiva e temporária, mesmo em se tratando de crimes inafiançáveis. Ademais, durante a vigência do mandato presidencial, não poderá o Presidente ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86,§ 4º, da CF/88). Em outras palavras, só haverá a persecução criminal após o término do mandato executivo, tendo em conta que o delito praticado não tem conexão com o exercício da função presidencial. Obviamente, haverá suspensão do curso da prescrição até o término do mandato executivo.
Vejamos:
“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
- 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
- 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.”
Joabe Teixeira de Oliveira, é Doutor em Direito, Advogado, Procurador do Município, Professor e Escritor.